domingo, 28 de novembro de 2010

Literatura e Resistência

Lista de livros que se encontram na biblioteca do NAVE .

A Sociedade Global ( Octavio Ianni)
Política,Sociologia e Teoria Social (Anthony Giddens)
O Processo Civilizatório (Darcy Ribeiro)
Liberdade ou Capitakismo (Ulrich Beck)
Um Enigma Chamado Brasil (Andre Botelho e Lilia Moritz Schwarrtz)
Mundo em Descontrole (Anthony Giddens)
Desvio e Divergência (Gilberto Velho)
Mudança,Crise e Violência (Gilberto Velho)
O Governo no Futuro (Noam Chomsky)
Uma Nova Geração Define o Limite (Noam Chomsky)
Problemas do Conhecimento e da Liberdade (Noam Chomsky)
Como Sair Dessa?(Vários Autores)
Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina (Celso Furtado)
Rio de Janeiro: Cultura,Política e Conflito (Gilberto Velho)
O Liberalismo Político (John Rawls)
Para Entender o Poder (Noam Chomsky)
Brasil Contemporâneo (Vários Autores)
1968 Eles Só Queriam Mudar o Mundo (Regina Zappa e Ernesto Soto)
Verdadeira Revolução Brasileira (Vários Autores)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

DiáLivros: O ferrageiro de Carmona

O ferrageiro de Carmona

Um ferrageiro de Carmona,

que me informava de um balcão:

"Aquilo? É de ferro fundido,

foi a forma que fez, não a mão.

Só trabalho em ferro forjado

que é quando se trabalha ferro

então, corpo a corpo com ele,

domo-o, dobro-o, até o onde quero.

O ferro fundido é sem luta

é só derramá-lo na forma.

Não há nele a queda de braço

e o cara a cara de uma forja.

Existe a grande diferença

do ferro forjado ao fundido:

é uma distância tão enorme

que não pode medir-se a gritos.

Conhece a Giralda, em Sevilha?

De certo subiu lá em cima.

Reparou nas flores de ferro

dos quatro jarros das esquinas?

Pois aquilo é ferro forjado.

Flores criadas numa outra língua.

Nada têm das flores de forma,

moldadas pelas das campinas.

Dou-lhe aqui humilde receita,

Ao senhor que dizem ser poeta:

O ferro não deve fundir-se

nem deve a voz ter diarréia.

Forjar: domar o ferro à força,

Não até uma flor já sabida,

Mas ao que pode até ser flor

Se flor parece a quem o diga.


João Cabral de Melo Neto


Esse texto me inspirou muito na hora da minha postagem.Além de ter haver com o tema da  2º edição do Diálivros,ele também fala de como é feita a criação de um poeta. O texto fala de como um poeta faz a sua poesia, como ele dá a forma desejada. Simplesmente, escrever não é o bastante, mas sim expressar o que você quer dizer através das palavras.


Leonam Monteiro

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Francisco Evandro de Oliveira (Farick)

Galera,

Quem quiser ler mais textos do Francisco Evandro, é só acessar esse link:

http://recantodasletras.uol.com.br/autor_textos.php?id=30828

O Amanhecer no Campo

O Amanhecer no Campo - Francisco Evandro de Oliveira

O campo florido exalava
o duplo perfume das flores
e da brisa da manhã.
Ao correr pelo campo sinto
o éter da natureza beijar minha face.

O lindo cantar dos pássaros,
deixam-me inebriado de prazer.
O sol chega de mansinho
e começa a derreter o orvalho da noite.

São instantes de uma beleza perene,
quando se sente o amanhecer no campo.
Paro, olho, esqueço da vida.
A corrupção passa ao longe,
A iniqüidade não se faz presente,
a cobiça desistiu de nele habitar.

Só vejo o belo e a pureza do povo
no amor maior do campo;
o amanhecer.

Ao Longo da Estrada

Ao Longo da Estrada - Francisco Evandro de Oliveira

Nasci em uma rede, ao longo da estrada,
Corria quando criança, ao longo da estrada.
Brinquei, rezei e chorei, ao longo da estrada.
Lutei, amei e passei, ao longo da estrada.
Após séculos de delírios, amarguei as desilusões.
Ao longo da estrada.
Ao longo da estrada deixei, as saudades
que machucaram
o coração deste nauta Perdido, ao longo da estrada.
Mas, ao longo da estrada está a vida que
pulsa e Realça em mim.

Francisco Evandro de Oliveira


     Francisco Evandro de Oliveira, o Farick, nasceu em Fortaleza e tem 63 anos de idade. Oficial da Reserva do Exército e professor de matemática e física, com especializações em planejamento educacional e medidas de aceleração de aprendizagem. Pós-graduado em matemática pela Universidade Federal Fluminense, do Rio de Janeiro, e em Psicopedagogia pela Universidade Castelo Branco.
     È membro  titular do Conselho Acadêmico e do Colegiado Acadêmico do Clube dos Escritores Piracicaba, membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras, Acadêmico da Academia Internazionale II Convívio - Sicília - Itália, membro correspondente da Academia de Letras e Artes de Paranapuã e da Academia Matiense de Letras.


Nem no Natal
Jesus, Buda, Confúcio e Maomé estavam reunidos em um bosque, bem a
sombra de um arco-íris de luz e dialogavam sobre o que acontecera com o
nosso Mundo, o qual estava bem diferente do que eles haviam ensinado.
Então, Jesus olhou para Buda e lhe perguntou: Buda, por que o teu rebanho
vive a morrer de fome com tanto gado nos pastos e nos pastos dos países dos
teus seguidores?
Buda pensou e lhe respondeu: Mestre, é porque eles esqueceram e não
praticam os teus ensinamentos que nos diz que o que contamina o homem
não é o que entra pela boca, mas, o que dela sai que são as palavras; porque
as palavras podem ferir, dilacerar e às vezes, pode provocar uma tragédia.
Até na noite de natal eles morrem e passam fome com tanto alimento que foi
abençoado por nosso Deus.
Buda, então, se calou e passou a refletir o que ele poderia fazer para que seus
seguidores pudessem mudar de idéia a respeito do alimento.
Em seguida ele olhou para Maomé e lhe questionou: Maomé, por que teu
rebanho está todo manchado com o sangue dos justos e dos inocentes?
Maomé olhou para Buda e lhe respondeu: Eles esqueceram nossos
ensinamentos, não há mais paz e amor em seus corações e nem no natal eles
buscam o amor de seu criador. É uma lástima, nós termos que vê-los serem
dizimados por suas incompreensões e rudezas de seus corações, só muito amor
os transformará e os salvará.
Confúcio olhou para Jesus e lhe inquiriu: Mestre, Por que teu rebanho está tão
dividido e proliferado em várias divisões?
Porque eles esqueceram de minha máxima – um só rebanho e um só pastor. As
conveniências sociais estão dividindo o meu rebanho e eles cada vez mais têm
divergências de idéias entre si.
Buscam-me e ao nosso pai celestial conforme os seus interesses e finalizou:
nem no natal eles se unem a minha volta. Falta tudo neles, principalmente
amor ao seu criador.
Maomé, então olhou para Confúcio e questionou? Por que teu rebanho que é
o mais numeroso, escraviza o pobre camponês e mata as crianças fêmeas ao
nascerem?
É por que os dirigentes esqueceram que foi uma madona que gerou o filho de
Deus e de muitas mulheres nasceram os gênios que iluminaram e permeiam a
Terra.
Nem no natal, eles deixam de dizimar os prisioneiros.
Está faltando amor, compreensão e perdão para o meu rebanho.
Então, Jesus falou novamente. A única coisa que temos que fazer é lhe
proporcionar amor que é a fonte da vida, sem amor, eles se tornarão ainda
mais cruéis e desumanos e virão anos que nem no natal eles esquecerão que
nós existimos.
Então, eles saíram caminhando e foram mentalizar amor a fim de que o
natal fosse diferente para milhões de pessoas naquela noite de paz, amor e
harmonia. Na volta Confúcio olhou para os outros grandes mestres e disse:
pensando bem seria bem melhor que o mestre Jesus voltasse à Terra e fosse
ver de perto como está sendo uma noite de natal. Jesus concordou e veio de
volta à Terra para passar uma noite.
Então, quando ele aqui chegou resolveu andar pelo mundo em busca de amor,

o qual está tão distante dos corações dos homens, depois de muito caminhar e
observar, ele verificou que a fome chegara e ele entrou na primeira casa, mas os
habitantes não o reconheceram e não lhe davam atenção.
Ao longo das ruas podia se sentir o cheiro dos alimentos nas cozinhas das casas,
contudo, Jesus percebia a fome estampada nos rostos de alguns transeuntes que
caminhavam consigo.
Quanto mais a fome apertava mais e mais ele procurava se alimentar, todavia,
ninguém lhe dava atenção.
Então, Jesus resolveu ir para outro continente e escolheu o Oriente Médio.
Lá a situação estava pior porque além da fome, também havia os homens bombas
que se dilaceravam, explodindo a si mesmo e levavam consigo vários e vários
inocentes, que lástima! Assim pensou Jesus.
Em alguns lugares nevava, mas, os donos da casas não o deixavam descansar a
cabeça e lhe agasalhar em seus lares...
O filho do homem passeava pela terra e nenhum cristão o acudia, estava sendo
terrível!
Tentou entrar em algumas igrejas evangélicas, lá os pastores só pregavam
exaltando o poder de satã e a maneira como combate-lo, pouco se falava do pai
celestial.
Jesus e grande pai lá em cima estavam triste com tudo isto!
A noite acabou e dentro das casas ele só via o povo a comer e beber, o amor não
existia e em outros lugares a situação ainda estava pior porque também não havia
paz.
Muitos lutavam pela liberdade que é o maior de todos os bens do homem ao longo
de sua existência.
O natal passou e Jesus voltou para a casa de seu pai sem poder comemorar com a
grande família que o pai eterno deixou na terra.
O natal havia perdido o seu sentido máximo, que é a confraternização entre as
pessoas e famílias porque estava sendo difícil haver amor na terra. Então, Jesus
chorou por ter visto como o homem havia se afastado do pensamento e desejo do
criador.

Esperança

Esperança - Ivone Sacchetto (Retirado do Livro Fragmentos)

O vento do mar cortou meu caminho
E me soprou num sussurro
Que o murmúrio das ondas
Falava de lendas, amor e carinho.

E o pássaro perdido,
Ferido e sozinho,
Pousou na incerteza
Da minha esperança
E me fez desejar
Ser de novo criança.

Criança feliz
De um mundo mais terno,
Sem guerras, sem ódios, torturas,
Só paz.
Um mundo no qual
O amor fosse eterno
E a esperança
Morresse jamais.

Felicidade

Felicidade - Ivone Sacchetto (Retirado do Livro Fragmentos)

Durmo sonhando
Com o feliz amanhã que virá.

Acordo cedo,
Corro a te buscar,

Mas vem a noite
E não consegui te achar.

Diga p'ra mim:
Onde tu estás?

Já não sei mais
Onde te procurar!

Eu quero, eu preciso 
Te encontrar.

Quando

Quando - Ivone Sacchetto (Retirado do Livro Fragmentos)

Quando você sonhar,
Sonhe os mais lindos sonhos
Que sua mente possa imaginar.
Quando você pensar,
Projete com firmeza
Tudo o que você deseja realizar.
Quando você sorrir,
Procure com certeza
Esta alegria conservar.
Quando você for feliz,
Saiba sua felicidade
Com os amigos partilhar.
Mas, quando for infeliz,
Chore baixo, sem alarde,
Nada nem ninguém poderá lhe consolar.

Para Alguém

Para Alguém - Ivone Sacchetto (Retirado do Livro Fragmentos)

Alguém
Que foi tudo que eu quis,
Alguém
Pra quem eu tudo fiz,
Alguém que muito desejei feliz.
Alguém
Que não sou entender
Ternura, amor e amizade
E transformou a vida em ansiedade.
Alguém
Que tanto me magoou
E fez-me conhecer a dor
Alguém
Que, em troca, deu-me desamor.
Alguém
Que, apesar da mágoa
Profunda e triste de sentir-me nada,
Muito desejo, ao longo da jornada,
Para esse Alguém,
Só luz, paz e amor.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A pianista

Mais um conto de Yonara Costa, de “Histórias de amor dos outros”.
Eles se conheceram num recital na sala Cecília Meireles. Ela, no piano. Ele, na plateia. Percebeu de imediato que ela tinha mãos pequenas para o piano. Ficou atento aos movimentos daquela mulher que lhe parecia uma bailarina: leve e delicada. Não sabia o que mais o seduzia, a música ou aquela figura feminina. Em época de masculinização e vestuário hippie, era agradável ver uma mulher de cabelos penteados, vestido e maquiagem leve. Tinha a impressão de que a qualquer momento, ela sairia rodopiando pelo palco para completar a sua fantasia.
Ao término da apresentação, foi cumprimentá-la. Disse-lhe que sua música parecia com um texto de Vinicius de Moraes. Ela respondeu: “é o meu poeta favorito”. Para impressioná-la declamou alguns versos do poetinha. Embora já tivesse passado da idade de acreditar em amor à primeira vista, ela ficou encantada com aquela aparência máscula que lhe recitava versos. Foi quando ele pegou as mãos dela e disse “não são mãos de pianista, são pequenas”. Ela recebeu o comentário como um elogio, fora difícil ganhar agilidade ao piano com dedos curtos, teve de treinar muito para conseguir. Agradeceu com um sorriso. Trocaram telefones.
No meio da semana, ele ligou, disse que estrearia no teatro Gota d’água, de Chico Buarque, com Bibi Ferreira no papel de Medeia. “Não gostaria de me acompanhar?” Ela disse que sim. Ficou feliz com a possibilidade de conhecer melhor alguém que comungava os mesmos gostos: música, Vinicius, Chico. Ele ficou de buscá-la em casa, em Santa Teresa. Ela achou gentil. No caminho, ela falava do prazer de deixar o carro na garagem, descer de bondinho e resolver os afazeres a pé. Ele morava na Tijuca, era funcionário público, definia-se como uma alma livre num corpo preso às obrigações do dia-a-dia. Gostaria de ser poeta, mas lhe faltara vocação ou incentivo ou os dois.
A peça foi maravilhosa! Saíram do teatro conversando sobre o amor de Medeia por Jasão e a distinta forma de amar entre homens e mulheres. Ainda que ele não quisesse discutir desnecessariamente, disse que homens e mulheres amam da mesma forma, mas foram educados para demonstrar de maneira diferente. Ela ficou reflexiva. Gostou de ter alguém ao lado com quem pudesse falar de ideias e sentimentos. Depois do teatro foram ao Amarelinho para um chope com a proposta de fecharem a noite caminhando pelo Aterro.
A conversa fluía. Política, artes. Quando de repente ele pegou a mão dela e disse de uma só vez: “sou casado”. Ela ficou paralisada na cadeira. Silêncio. Ele pagou a conta. Ela levantou-se e caminhou sem esperá-lo. Ele a alcançou. “E o passeio no Aterro?” Ela olhou  nos olhos dele e disse gravemente: “Não caminho ao luar com senhores casados”. E foi-se embora.
A lembrança de um encontro que seria perfeito ficou fragmentada para os dois. Os dias que se seguiram foram difíceis. A semana parecia se arrastar quando ele ligou, perguntou se poderiam ser amigos, ela disse que sim. Amizade independia de estado civil. Passaram a se ver com frequência. Era estranho, ele chegava no final da tarde, ela o esperava com bolo e chá. Conversavam sobre um novo trabalho dela, ele mostrava alguns poemas. Antes de anoitecer caminhavam pelo Largo dos Guimarães.
Ele tinha a esperança de que um dia ela mudaria de idéia. Ela seguia irredutível, mas não conseguia dispensar a companhia dele, ainda assim ambos sabiam que aquele convívio já era uma história de amor.
Tudo parecia imutável até o aniversário da pianista. Ele foi o primeiro a chegar cheio de expectativas. Flores e poemas. Ela estava brilhante. Num impulso, eles se beijaram como se fossem um casal de namorados. Ela ficou paralisada como no dia em que ele contou que era casado. Disse que se o gesto se repetisse não poderiam manter a amizade. Ele se desculpou, foi embora. Sem ele, o aniversário foi triste.
Na semana seguinte, ela ficou doente, uma febre alta. Terminou as aulas particulares mais cedo e foi para a cama. Ele chegou no fim da tarde e cuidou dela por toda noite. Durante o delírio febril, ela chamava por ele que apertava uma mão na outra. “Estou aqui, minha bailarina.”
Os anos se passaram. Tantos. Ela não sabia se havia desistido do amor ou o amor desistido dela. Ou se aquela forma de amar era suficiente. Muitas vezes ele pensava em contar que vivia um casamento de conveniências, que tentara se separar quando a conheceu, mas resolvera esperar os filhos ingressarem na faculdade, depois se casarem, depois... ah... Talvez ela o aceitasse. Talvez não quisesse sequer ouvir essa história que se parece com tantas outras. Ainda assim, ele chegava no final da tarde, quando ela o esperava com bolo e chá.
Ele se aposentou e as visitas ficaram escassas. Ela sentiu a falta dele, mas não se deixou abater, pensou em tantas coisas que ainda não havia feito, nos lugares que ainda não havia visitado. Resolveu viajar, compor mais. Foi quando surgiu um concurso para composições inéditas. Trabalhou a semana inteira na música, sentiu-se muito feliz quando concluiu a canção. E saiu esfuziante pelas ladeiras de Santa Teresa a fim de registrar a composição na Biblioteca Nacional. Desceu no bondinho cantarolando. Seguiu caminhando, ao chegar à Cinelândia tinha apresentação da banda dos Fuzileiros Navais em homenagem aos 99 anos do Theatro Municipal, eles tocavam “Chega de saudade”.  A música contagiava quem passava, como se as pessoas diminuíssem o ritmo para poder ouvir. De repente ela virou-se em direção ao Theatro Municipal. Era ele. Os cabelos mais grisalhos, parecia mais magro. Ainda era o homem por quem seu coração batia descompassado. Ele a viu, estava pronto para atravessar a rua na direção dela.
“A realidade é que sem ela não há paz / não há beleza”.
Era tão bom vê-lo. Ele correu na direção dela. Saudade das tardes vividas em Santa Teresa. “Mas se ela voltar / se ela voltar / que coisa linda / que coisa boa”.
Tudo aconteceu tão rápido. Como se a música tivesse congelado só ficou o movimento dele atravessando no sinal, uma moto avançando e ele sendo atropelado. Ela gritou. Correu na direção dele. Tudo à volta parecia normal. A orquestra tocava agora “Felicidade”. As pessoas continuavam seus percursos. “A felicidade é como a gota / de orvalho numa pétala de flor / Brilha tranquila / Depois de breve oscila / E cai como uma lágrima de amor”.
O corpo estirado no chão. As últimas palavras dele: “minha bailarina”. Os olhos que se fecham para não mais abrir. O mundo de possibilidade encerrado em alguns instantes.
P.S.: Para quem quiser conhecer mais sobre o trabalho de Yonara, temos alguns exemplares em nossa biblioteca para empréstimo. Aproveitem!

Yonara Costa

Com mestrado em Literatura Brasileira pela UFRJ, trabalha no Colégio Estadual Adino Xavier há 12 anos e no Sesi há 10. Educadora por ideal, coordena os projetos “Além do que os olhos vêem” (leitura para cegos e trabalhos voluntários), “Vidas Gonçalenses” (resgate da história de pessoas da cidade) e “Rádio Cidadã” (discute os problemas da comunidade). O projeto “Além do que os olhos vêem” ficou em segundo lugar no prêmio Escola Voluntária. A premiação aconteceu em São Paulo, com a participação de 600 concorrentes. Em 2008, a autora conquistou o primeiro lugar no concurso “Rio Biografias”.  
Este ano lança “As minhas histórias de amor dos outros”. O livro, que sai pela Editora Caetés, reúne dez contos de histórias de amor. A Cidade Maravilhosa serve como cenário para a maioria dos romances.
Segundo Francisco Venceslau dos Santos, editor da obra e professor de Letras/Teoria da Literatura da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), a obra levará os leitores a experimentarem as tensões e limites entre o horizonte da realidade cotidiana e o sonho, o devaneio, a metafísica da poesia.
Sobre a criação literária, afirma Yonara: “Acredito que a vida é um grande tecido em que muitas pessoas colaboram com fios, bordados e tintas. A minha escrita é a minha tecitura sobre o mundo, sobre o amor, sobre a educação”.
A seguir, temos “Depois do amor”, um dos contos de “As minhas histórias de amor dos outros”.  Deleite-se!


– Seu corpo parece uma pintura! Exclamei baixinho.
– Uma pintura?! De que época?
Ah não! Lá vamos nós para aquele papo intelectual e agora para o campo das artes que eu não domino... opto pelo silêncio para ver se ela esquece... mas...
– Que tipo de pintura? Insistiu toda dengosa.
Ela poderia simplesmente aceitar o elogio. Quantas mulheres ficariam extasiadas por terem o corpo comparado a uma pintura?
– Ahãn... deixa eu ver... não é cubista...
– Não tem formas geométricas, é isso?
Se eu dissesse que era cubista, no mínimo ela ficaria aborrecida, iria lembrar aquelas mulheres estranhamente representadas por triângulos, quadrados... mas como eu não disse... mulheres, não há elogios que as satisfaçam. Vamos inverter o jogo:
– Que pintura você queria ser?
– Eu queria que me vissem como uma pintura clássica, mas queria ser impressionista.
– Impressionista? É aquele negócio da luz...
– Sim, os artistas pintavam muitas vezes a mesma cena em vários momentos do dia: ao amanhecer, às doze horas, ao anoitecer...  e o impacto da luz sobre as pessoas e os lugares criava obras diferentes, embora o cenário fosse o mesmo.
Preciso de uma resposta inteligente antes que ela coloque a roupa. Adoro vê–la nua. Ele se inibe e se veste... ai... essa mania insuportável de ficar vestida o tempo tendo um corpo tão bonito...
– Eu não me importaria em perder a orelha se conseguisse captar a beleza do seu corpo sob essa luz do crepúsculo...
– Que lindo, meu amor!
Bola dentro, ufa!!!
– Embora van Gogh esteja mais para expressionista.
Bola fora! Lá vamos nós para mais uma aula:
– Acontece, meu amor, que enquanto o fundamental para o impressionismo é a luz, para o expressionismo é o olhar do artista, ele pinta o que vê não com os olhos do corpo, mas com os olhos da alma.
– Agora você foi fundo, mas para captar a sua imagem nua, preciso vê–la sem roupa mais vezes.
– Pra quê, meu amor? Quanto mais você me vê vestida, mais vontade tem em tirar a minha roupa... isso não é bom? Se me vir sempre nua, vai enjoar de mim.
Sei que não vou enjoar, seria capaz de fazer um juramento, porém também sei que não vai adiantar, ela não acreditaria.
Meu sonho sempre foi me apaixonar por uma mulher burra, muito burra, aquela que não tem argumento algum. Que obedece... que não questiona... De preferência ninfomaníaca, é isso: bonita, burra e ninfomaníaca. Eu seria simplesmente feliz.
Pronto! Lá vai ela em direção ao roupão... ai... colocou o roupão. Agora teremos aquela sequência infeliz: roupão, banho, roupas, muitas roupas. Um beijo na testa e adeus. Última chance de dizer algo que a faça voltar para a cama. Lá vou eeeu!
– Não foi uma tela de Monet que deu nome a esse movimento, impressionismo?
– Sim.
Ela voltou interessada nos meus conhecimentos, e esqueceu–se do nó do roupão que ficou meio frouxo, dava para ver a fenda entre os seios, o umbigo e um pedacinho do seu ventre. Eu tinha certeza de que era proposital. Ela emenda:
– "Impressão, nascer do sol", acho que era isso...
– Também não foi ele que pintou uma mulher e depois casou–se com ela?
– Sim, Camille alguma coisa... uma história de amor um pouco triste.
– Eu não sei pintar, não sei esculpir, não sei fazer versos...
Nesse exato momento, ela veio aproximando–se da cama, tinha de fechar a frase com perfeição. Ela passou a mão pelos cabelos, jogou a cabeça de lado, deu um meio sorriso e ficou esperando o desfecho do meu raciocínio:
Eu não consigo pensar em nada brilhante para terminar. Que droga!!!
– Mas sei admirar a pintura que é você.
Quando ela sorri dessa forma, eu nunca sei se me dei bem ou não, é um ar meio tímido que nem combina com ela, depois abaixa os olhos, agora cabelos atrás da orelha.
– Sabe? Quer admirar mais?
Roupão aberto, cortina fechada, luzes apagadas e fim do texto...