terça-feira, 2 de novembro de 2010

Yonara Costa

Com mestrado em Literatura Brasileira pela UFRJ, trabalha no Colégio Estadual Adino Xavier há 12 anos e no Sesi há 10. Educadora por ideal, coordena os projetos “Além do que os olhos vêem” (leitura para cegos e trabalhos voluntários), “Vidas Gonçalenses” (resgate da história de pessoas da cidade) e “Rádio Cidadã” (discute os problemas da comunidade). O projeto “Além do que os olhos vêem” ficou em segundo lugar no prêmio Escola Voluntária. A premiação aconteceu em São Paulo, com a participação de 600 concorrentes. Em 2008, a autora conquistou o primeiro lugar no concurso “Rio Biografias”.  
Este ano lança “As minhas histórias de amor dos outros”. O livro, que sai pela Editora Caetés, reúne dez contos de histórias de amor. A Cidade Maravilhosa serve como cenário para a maioria dos romances.
Segundo Francisco Venceslau dos Santos, editor da obra e professor de Letras/Teoria da Literatura da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), a obra levará os leitores a experimentarem as tensões e limites entre o horizonte da realidade cotidiana e o sonho, o devaneio, a metafísica da poesia.
Sobre a criação literária, afirma Yonara: “Acredito que a vida é um grande tecido em que muitas pessoas colaboram com fios, bordados e tintas. A minha escrita é a minha tecitura sobre o mundo, sobre o amor, sobre a educação”.
A seguir, temos “Depois do amor”, um dos contos de “As minhas histórias de amor dos outros”.  Deleite-se!


– Seu corpo parece uma pintura! Exclamei baixinho.
– Uma pintura?! De que época?
Ah não! Lá vamos nós para aquele papo intelectual e agora para o campo das artes que eu não domino... opto pelo silêncio para ver se ela esquece... mas...
– Que tipo de pintura? Insistiu toda dengosa.
Ela poderia simplesmente aceitar o elogio. Quantas mulheres ficariam extasiadas por terem o corpo comparado a uma pintura?
– Ahãn... deixa eu ver... não é cubista...
– Não tem formas geométricas, é isso?
Se eu dissesse que era cubista, no mínimo ela ficaria aborrecida, iria lembrar aquelas mulheres estranhamente representadas por triângulos, quadrados... mas como eu não disse... mulheres, não há elogios que as satisfaçam. Vamos inverter o jogo:
– Que pintura você queria ser?
– Eu queria que me vissem como uma pintura clássica, mas queria ser impressionista.
– Impressionista? É aquele negócio da luz...
– Sim, os artistas pintavam muitas vezes a mesma cena em vários momentos do dia: ao amanhecer, às doze horas, ao anoitecer...  e o impacto da luz sobre as pessoas e os lugares criava obras diferentes, embora o cenário fosse o mesmo.
Preciso de uma resposta inteligente antes que ela coloque a roupa. Adoro vê–la nua. Ele se inibe e se veste... ai... essa mania insuportável de ficar vestida o tempo tendo um corpo tão bonito...
– Eu não me importaria em perder a orelha se conseguisse captar a beleza do seu corpo sob essa luz do crepúsculo...
– Que lindo, meu amor!
Bola dentro, ufa!!!
– Embora van Gogh esteja mais para expressionista.
Bola fora! Lá vamos nós para mais uma aula:
– Acontece, meu amor, que enquanto o fundamental para o impressionismo é a luz, para o expressionismo é o olhar do artista, ele pinta o que vê não com os olhos do corpo, mas com os olhos da alma.
– Agora você foi fundo, mas para captar a sua imagem nua, preciso vê–la sem roupa mais vezes.
– Pra quê, meu amor? Quanto mais você me vê vestida, mais vontade tem em tirar a minha roupa... isso não é bom? Se me vir sempre nua, vai enjoar de mim.
Sei que não vou enjoar, seria capaz de fazer um juramento, porém também sei que não vai adiantar, ela não acreditaria.
Meu sonho sempre foi me apaixonar por uma mulher burra, muito burra, aquela que não tem argumento algum. Que obedece... que não questiona... De preferência ninfomaníaca, é isso: bonita, burra e ninfomaníaca. Eu seria simplesmente feliz.
Pronto! Lá vai ela em direção ao roupão... ai... colocou o roupão. Agora teremos aquela sequência infeliz: roupão, banho, roupas, muitas roupas. Um beijo na testa e adeus. Última chance de dizer algo que a faça voltar para a cama. Lá vou eeeu!
– Não foi uma tela de Monet que deu nome a esse movimento, impressionismo?
– Sim.
Ela voltou interessada nos meus conhecimentos, e esqueceu–se do nó do roupão que ficou meio frouxo, dava para ver a fenda entre os seios, o umbigo e um pedacinho do seu ventre. Eu tinha certeza de que era proposital. Ela emenda:
– "Impressão, nascer do sol", acho que era isso...
– Também não foi ele que pintou uma mulher e depois casou–se com ela?
– Sim, Camille alguma coisa... uma história de amor um pouco triste.
– Eu não sei pintar, não sei esculpir, não sei fazer versos...
Nesse exato momento, ela veio aproximando–se da cama, tinha de fechar a frase com perfeição. Ela passou a mão pelos cabelos, jogou a cabeça de lado, deu um meio sorriso e ficou esperando o desfecho do meu raciocínio:
Eu não consigo pensar em nada brilhante para terminar. Que droga!!!
– Mas sei admirar a pintura que é você.
Quando ela sorri dessa forma, eu nunca sei se me dei bem ou não, é um ar meio tímido que nem combina com ela, depois abaixa os olhos, agora cabelos atrás da orelha.
– Sabe? Quer admirar mais?
Roupão aberto, cortina fechada, luzes apagadas e fim do texto...

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